MEIMEI CORRÊA/BAÚ DE ILUSÕES ENTREVISTA KATIA PINNO – Durante a II Feira do Livro de Cambuquira (MG), a poeta e radialista Meimei Corrêa realizou entrevista com a psicóloga, escritora e ativista cultural Katia Pinno. Confira:
MEMEI CORRÊA – Katia, quando se deu o seu encontro com a literatura, com a poesia? De que forma foi essa descoberta?
Eu escrevo desde menina. Sempre fui muito tímida e escrever sempre foi a melhor forma que encontrei para expressar meus sentimentos e exorcizar os fantasmas que rondavam minha vida familiar. Era estar comigo, no meu mundo, reencontrar meu equilíbrio, criar personagens, inventar. Gostava de ler também, deixava a imaginação correr solta, o que considero importante para quem escreve: ler, ler muito e ser capaz de imaginar as cenas, os personagens. Comecei a gostar de ler pelos quadrinhos, Maurício de Souza principalmente. Para falar a verdade, gosto até hoje. Quando fui fazer a Faculdade de Psicologia, e durante os anos de exercício profissional me dediquei menos à escrita de textos literários e mais aos textos acadêmicos. Em 1998 comecei a mostrar meus textos. Mas foi só em 2007 que resolvi bancar meus sonhos, com o estímulo do meu filho, que já amava a história do meu primeiro livro publicado: LILI, A ESTRELA DO MAR.
MEMEI CORRÊA – Quais as suas obras até hoje?
Tenho três livros publicados. O infantil “Lili, a estrela do mar”, que recebeu o 1º lugar do Prêmio Adolfo Aizen 2008, conferido pela União Brasileira dos Escritores do Rio de Janeiro e o Título de “Melhores de 2010”, conferido pelo Congresso da Sociedade de Cultura Latina, Seção Brasil. Com o primeiro prêmio recebido pelo livro da LILI, eu me animei, percebi que estava no caminho certo, e resolvi tomar coragem para publicar o que escrevi desde a meninice. Foi então que nasceu o segundo livro “Sou Mulher”, reunindo crônicas e poesias. Neste livro fiz uma brincadeira, dividindo as crônicas por faixas etárias: “Crônicas dos 20, dos 30 e dos 40” e colocando “Poesias intrometidas”. Intrometidas, porque vasculhando os meus escritos que ficaram guardados por medo durante tantos anos, percebi que também era poeta e não sabia. As poesias apareceram ali, intrometidas, entre tantas crônicas. A capa também remete a este resgate: eu em três tempos. E o lançamento de 2015 é o livro de contos “À deriva e outros contos”, reunindo dez contos, com temáticas variadas, e todas emocionantes.
MEIMEI CORRÊA – Qual delas lhe foi mais encantadora; com qual se envolveu mais?
Tenho um carinho especial por “Lili, a estrela do mar”. Não só pelo prêmio que recebeu, mas pela linda história que trata. Uma história que reflete a busca pela felicidade, a descoberta que ela está sempre mais perto do que imaginamos. Traz a lição da auto aceitação, de aprendermos a nos valorizar com nossas qualidades e defeitos. LILI é uma lição de vida não só para as crianças, como também para os adultos. Ele foi escrito quando eu tinha, mais ou menos, quinze anos e vivia uma situação assim, buscando fora o que se escondia dentro de mim.
MEIMEI CORRÊA – Katia, meu filho a conheceu na Feira do Livro em Poços de Caldas. Nós nos encontramos na Feira do Livro em Cambuquira. Você participa constantemente de Feiras do Livro em várias cidades do Brasil. Conte-nos sobre essa experiência.
Minha primeira experiência foi na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2007, quando lancei a LILI. Adorei a experiência de estar junto aos leitores, me apresentando, contando a história do meu livro. É muito gostoso sentir a alegria das crianças e dos adultos em estar próximos aos escritores. Sempre lembro de um aluno que visitava a Bienal em 2007, que falou assim: “Foi ela que escreveu o livro? Ué, mas ela tá viva”. Eu ri muito. Percebi que ele achava que os escritores eram só aqueles que estudava na escola e que, em geral, já eram falecidos. Apaixonei-me por este trabalho. Tanto que repeti minha participação na Bienal do Rio em 2009, 2011 e 2013. Em 2014 fiz a Bienal de São Paulo. E a partir do ano de 2012 resolvi participar em outras Feiras do livro fora a capital Rio de Janeiro. A primeira foi a de Poços de Caldas (2012, 2013). Agora em 2015 incrementei estas participações: voltei a Poços (MG), fui a Resende (RJ), Volta Redonda (RJ), Cambuquira (MG), Valença (RJ), Ilha do Governador (RJ capital). Essas feiras são muito importantes para os escritores independentes. É uma das melhores formas de divulgar nosso trabalho, de estarmos próximo ao público, de formar novos leitores. Gosto de me aproximar, de me apresentar, contar um pouco sobre como comecei a escrever, como surgiram os livros. Gosto de falar sobre os livros, de ler os poemas, trechos das crônicas e dos contos. A Psicologia ajuda muito, pois desenvolvi a habilidade de ler as mensagens que uma expressão nos passa, um movimento de mãos, um olhar para o lado. A postura do leitor acaba indicando qual leitura deve ser feita. Nas participações deste ano, também comecei a ministrar Oficinas Literárias para pessoas interessadas em começar a escrever crônicas e contos. Mas desenvolvo também outros temas, depende do local e do público. Tive uma experiência muito bacana num colégio, com crianças por volta dos 10 anos. O tema era a poesia na música. Comecei a partir do que elas gostavam de ouvir na época, e mostrei como a letra das músicas também são uma forma de poesia, ou às vezes, são poesias mesmo, transformadas em música. A professora estava trabalhando o tema poesia com as crianças. Foi muito bom esse contato; a partir dele percebi que seria uma forma também de espalhar a arte e o estímulo à leitura.
MEIMEI CORRÊA – Você encontra dificuldades para vender seus livros? Como o mercado literário se apresenta para você?
A grande dificuldade é que para colocar os livros nas livrarias, a porcentagem exigida é bem alta. E há também a questão de ser independente. As editoras que publicam os livros de alguns escritores independentes, assim como os meus, são contratadas para fazer a edição. A divulgação, distribuição e venda fica por minha conta; embora possa também ser vendido pelo site dessas editoras. Mas a maior parte da divulgação é com o autor. Então as vendas se dão nas Feiras, nos eventos, nas oficinas que ministro. É um trabalho de formiguinha, e adoro.
MEIMEI CORRÊA – Você tem obras voltadas à mulher. Qual o motivo fundamental delas?
Comecei a pensar nisso de um tempo para cá. Quando criei os textos, a ideia era escrever para o gênero “humano”, exorcizando minhas vivências. Talvez por eu ser mulher, minha escrita acabou revelando a percepção de um gênero, o feminino. O retorno das leitoras foi me fazendo ver que acabei dando vez e voz às mulheres; e com isso acabei transmitindo esperança para muitas. Lembro sempre de uma vendedora que comprou meu livro SOU MULHER (de crônicas e poesias), no dia do lançamento que fiz numa grande livraria. Quando retornei à loja para alguns acertos, ela me contou sua história: estava passando por um problema parecido que eu narrara num texto do livro e estava sem esperança alguma para resolver a situação de forma positiva, entrando já num quadro de depressão. Ao ler esse texto, ela sentiu que podia superar seus problemas; e se eu passara e superara, ela também podia, e ia resolver. Fico emocionada até hoje quando lembro dessa história.
MEIMEI CORRÊA – Em 2007, você lançou seu primeiro livro intitulado “Lili, a estrela do mar”, voltado para o público infantil. Fale sobre essa experiência e quais outras obras infantis você publicou?
Já respondi essa pergunta, em parte, lá em cima. Tenho outras histórias infantis que foram publicadas nas coletâneas do Prêmio SESC/DF Monteiro Lobato de Literatura Infantil em 2009 e 2010. Em 2009 minha história ficou entre os treze classificados e foi publicada – HEITOR E O DRAGÃO; em 2009 fiquei com o 2º lugar no mesmo Prêmio, com O MISTÉRIO DO POTE DE BISCOITO, uma história de investigação com um detetive inusitado/inesperado. Gosto muito de escrever para crianças. A única coisa que, às vezes, me deixa aborrecida, é quando os adultos consideram o texto infantil, uma literatura menor. Falam assim: “que bonito o seu livrinho”. Fico “danada” (risos). Literatura Infantil é uma coisa séria, não pode ter uma linguagem tatibitate; a criança é um leitor atento e um crítico observador. Se ela não gostar do que você escreveu, vai falar logo. O Professor e escritor Joel Rufino, falecido este ano de 2015 concedeu uma entrevista à Revista Presença Pedagógica há 10 anos, onde fala sobre isso. Achei muito exato o que ele falou e reproduzo aqui e faço das dele, minhas palavras: “Quando escrevo para crianças, escrevo para crianças. Cada escritor sabe de si. Ao dizer que não escrevem deliberadamente para criança, mas para o leitor em geral, esses escritores talvez estejam intimidados pelo senso comum que pensa ser a literatura infanto-juvenil um gênero menor. Não creio que literatura para crianças seja menor. É literatura como a outra, exige talento, densidade temática e formal – e verdade. Verdade é a qualidade de ser convincente, seja lá o que você escreva. Mau escritor para criança é o que se vale de uma linguagem tatibitate para veicular reminiscências sem grandeza, coisinhas, miudezas, lições morais etc. Bom escritor para criança é o que se vale de linguagem literária, em si mesma incomum, para expressar a estranheza enorme com que o mundo se apresenta a uma criança. Em suma, escrevo para criança com convicção de que é para criança”. Formidável. Depois disso, nada a acrescentar.
MEIMEI CORRÊA – Você se formou em Psicologia. O que exatamente a levou a optar por essa área? E existe algum ponto em que a sua profissão e a poesia mantém um encontro na sua personalidade?
Psicologia não foi minha primeira opção. Eu queria fazer Medicina; sempre fui mais prática ou, talvez, tenha sido forçada pelas circunstâncias a me tornar mais prática. Escrevo desde que me entendo por gente, mas gostava de biologia e ciências na escola e meu pai queria uma filha DOUTORA, MÉDICA. Dentro da Medicina queria trabalhar com crianças especiais e, quando não passei para o vestibular de Medicina, optei por Psicologia, que me prepararia para o trabalho que queria realizar; ou que achava que queria. Acabei gostando da Psicologia – ainda bem – porque naquela época tudo era difícil, não dava para ficar trocando de curso, meus pais me mantinham com muita dificuldade na faculdade, que era particular; eu tinha que corresponder e me dediquei muito. Tornei-me Psicóloga Clínica e durante muitos anos atendi só crianças. Eu gostava muito, conseguia estabelecer contato com elas com muita facilidade; mas era um pouco frustrante porque o problema da criança na maioria das vezes é o bode expiatório do problema que está na dinâmica familiar. Quando a criança começa a se “curar”, a família tem que lidar com suas próprias limitações e nem sempre os pais estão preparados para isso. E, antes que a criança se “cure” de vez e revele as dificuldades familiares, é retirada da terapia. Por isso é muito importante o acompanhamento concomitante dos pais. Com certeza todas essas experiências contribuíram e ainda contribuem para o que escrevo. O que torna uma escrita interessante, seja poesia, conto, crônica, literatura infantil, romance, é falar sobre as questões e vivências humanas; é falar sobre as dores e as delícias das emoções e experiências que são comuns aos seres humanos. Além, é claro, também tudo o que se estuda teoricamente, e que revela o mais escondido da mente humana, como aqueles problemas que as pessoas abafam e como encontram formas para lidar ou não com suas questões mais difíceis são importantes para a criação. Nos dão material, nos dão mais recursos para a escrita. A Psicologia me ensinou a ser observadora, a prestar atenção em detalhes. Isso também é importante para quem escreve. Não é imprescindível ser psicólogo ou se ter qualquer formação teórica para ser um bom escritor. Mas ser observador, ter sensibilidade e empatia para com a alma humana, sim.
MEIMEI CORRÊA – Você faz parte de Academias de Letras?
Sim, sou Membro Fundador da Academia de Artes, Ciências e Letras da Ilha de Paquetá (AACLIP), Membro da Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro (APPERJ); Membro Correspondente e Chanceler da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba Grande, Membro Correspondente da Academia de Artes de Cabo Frio (ARTPOP), Representante Municipal da Federação das Academias de Letras do Estado de São Paulo (FALASP) e Membro Correspondente da Academia Preandina de Artes, Cultura y Heráldica. Sou também Coordenadora do Comitê PAQUETÁ do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) do Ministério da Cultura; este comitê nasceu de um termo de parceria firmado entre a AACLIP e o Ministério da Cultura. O Comitê desenvolve atividades com os moradores da Ilha de Paquetá, com ênfase em crianças e jovens, promovendo atividades que desenvolvam o gosto e o hábito da leitura não só de livros; neste ano de 2015 ampliamos o sentido de leitura para as artes plásticas pois uma obra de arte também é “lida”, é interpretada de alguma forma. Uma obra de arte também é uma leitura, uma interpretação do mundo ao redor sob o olhar e a percepção do artista. Existem múltiplas leituras. Fazer parte de Academias de Letras ou de projetos que valorizem a cultura é sempre uma experiência muito enriquecedora, pela troca humana, pelos conhecimentos que adquirimos e passamos também. Sempre temos o que aprender.
MEIMEI CORRÊA – Quais são seus projetos futuros?
Dentro da literatura meu plano principal é escrever cada vez mais, produzir cada vez mais textos. Costumo dizer que a prática faz a perfeição e com literatura não é diferente. Mas o escritor tem que ter disciplina; reservar horas dos seus dias para se dedicar exclusivamente a esse ofício. Ampliar minha participação em Feiras Literárias, divulgar mais intensamente os meus livros e ministrar Oficinas Literárias em Feiras, colégios etc. são projetos nos quais estou trabalhando também.
MEIMEI CORRÊA – O que você diria para crianças, jovens e adultos, como incentivo à leitura?
Se você acha não gosta de ler (como já ouvi muitas pessoas falarem), comece por algo, aparentemente simples, como jornais, história em quadrinhos, revistas, letras de música, com temas que goste. Procure textos na internet, trechos de livros, notícias, qualquer coisa. Comece com pequenos (em tamanho) textos. Mas leia, leia tudo, sempre que tiver oportunidade. Leia bula de remédio, cartazes na rua, afixados em postes, folhetos de divulgação que lhe entregam quando você passa. Veja filmes inspirados em livros; eles sempre despertam a curiosidade em comparar a interpretação do diretor à do escritor e à sua visão/percepção do texto lido. Leia a música que você gosta como se fosse poesia – sem o fundo musical. Vá à exposições e leia os textos explicativos, as legendas das obras, leia a obra em si, pare, olhe, sinta a impressão que aquela obra lhe dá. Mas, principalmente, faça isso sem cobranças; a leitura, principalmente a de um livro, deve ser prazerosa e nunca uma obrigação. E vá na fonte que você achar melhor: livro físico, livro digital. No caso das crianças, elas devem ser estimuladas pelos adultos, seja em casa, seja na escola. Em casa, quando as crianças são pequenas, leia para elas antes de dormirem. Ler para seu filho, seu neto, seu irmão, mesmo que você não goste, também é um exercício para você mesmo. Ler amplia nossa capacidade crítica. Leia e nunca acredite em tudo que lê. Questione, observe, comprove, procure outras leituras com outros pontos de vista. Construa a sua própria ideia, a sua própria opinião sobre os fatos, sobre a vida. Ler nos faz crescer, nos dá autonomia, nos dá liberdade.
Fonte: http://blogagenda.blogspot.com/2015/11/entrevista-katia-pinno.html